Ocupação Cambridge e 9 de Julho – Resistência e Cidadania revela a organização e a perseverança de pessoas que lutam por direitos básicos previstos na constituição. Morar próximo ao trabalho, respeitando leis, diversidades, sonhos e em constante busca pela cidadania plena. Sob o comando da líder Carmen da Silva Ferreira, centenas de famílias encontram a possibilidade de viverem com dignidade na nossa sociedade extremamente desigual. O programa mostra que os diversos prédios desocupados no centro de São Paulo podem ser suficientes para resolver o déficit habitacional e beneficiar toda a sociedade.
Na Ocupação 9 de Julho vivem há dois anos quase 450 mulheres, homens, crianças, velhos e adolescentes. São alegres, organizados e resilientes. Acolhidos por eles, trabalhamos em uma sala ampla que virou estúdio e redação. Durante 280 horas produzimos conteúdos sobre as eleições, pautando a cobertura da campanha de Fernando Haddad que a velha mídia e a mídia servil não enxergaram. Não havia lugar melhor para ouvir o nome do próximo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro.
Primeiro, as pessoas choraram diante de um telão onde acompanhavam a apuração. Não demorou para a decepção dar lugar ao consolo. E à resistência. Todos se juntaram no pátio, onde acontecia uma festa que comemorava o aniversário da ocupação e a democracia. “Dona Carmen vai falar, arrumem um lugar para ela subir”, diz um morador. Apareceu uma cadeira de plástico. Carmen da Silva Ferreira, 58 anos, oito filhos, é líder da comunidade ligada ao MSTC, e pode ser considerada o retrato da força bruta, terna e teimosa da mulher brasileira que nunca se deixa deter. Seu primeiro endereço na capital paulista foi a rua. Veio da Bahia, escapando da violência doméstica, e logo aprendeu a organizar as pessoas que sofrem como ela.
Foi importante estar ali para receber o resultado das eleições. Fernando Haddad e Manuelaterminaram vitoriosos pela campanha que fizeram, pelos 47.038.966 de votos que obtiveram. O fim não é hoje.
Ouvir Carmen é restaurador: “Estamos vivendo o retrocesso no Brasil. Mas não vamos cair no retrocesso deles. Faremos nossa resistência, como sempre fizemos. Não é com arma, como o senhor Bolsonaro declarou. Vai ser com a voz, com o canto. Vai ser com amor, porque somos uma família. Aqui está a verdadeira família, a que ama independentemente de classe, de cor, de sexualidade. E vamos mostrar que ele vai ter que nos exterminar, porque a nação é feita de 80% de pessoas que trabalham duro, como nós. Tudo tem sido difícil, nada para nós veio de graça.”
Carmen sentiu-se mal e desmaiou. Sua filha Preta Ferreira, 32 anos, tomou a palavra: “Nada mudou. Um vai cair, o outro se levanta. Mataram Marielle, o mestre Moa e nós estamos aqui”. A emoção tomou conta das pessoas, mas elas continuaram atentas. Preta afirmou: “Que sirva de lição. Quem não escutou: ‘Cuidado’, agora vai ouvir: ‘Coitado”. Ela sugeriu que ficassem unidos e que entendessem que a minoria, na verdade, é a maioria. “Ninguém vai anular nossa existência. A gente vai combater o mal com amor.” Palavras de ordem foram lembradas: “O povo unido jamais será vencido”, “Lula Livre”, “Aqui está o povo sem medo de lutar”, “Quem não luta tá morto”… Alguém gritou: “Nós seremos a maior oposição que o Brasil já viu”.
Dona Carmen, recuperada do mal-estar, volta a discursar: “Eles estão achando que vamos sair por aí depredando. Temos sabedoria. Não vão tirar nossa inteligência. Vamos reformar os quilombos, andar de mãos dadas, mostrar que somos um povo legítimo.”
Foram de muito aprendizado os 20 dias que passamos na ocupação, comendo na cozinha onde Sheila, uma moradora, preparava arroz, feijão com louro e outras comidas de sabor inesquecível. Bolsonaro terá que ser o presidente de Sheila, Carmen, Preta, de um povo que não aceita mais o anonimato, a exclusão, que saiu do armário, que não se envergonha de ser negro, que chegou à universidade, aprendeu a lutar por moradia. Um povo que se levanta, como disse Preta, de qualquer adversidade, da derrota política.
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